quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Sentir Sozinho

Poema inspirado por uma frase de Edgar Allan Poe.


Sentir Sozinho

Doce engano esse perder, que não para de gemer
Silêncio calmo, arder calmo por entre qualquer chorar
Mesmo que pra amar, algo que não vai te querer
Com ou sem rimar, doce chama sem se apagar


Ritmando, qualquer cantar louco, fogo abraçando
Mesmo que muito pouco, ou até quase nada
Que sente e cala, e te olha fixo encarando
Acalentando, morrendo, como um conto de fada


E beber da morte, perder, sofrer, rasgar a sorte
Ah! Gentil sofrer, que me corta ou acalenta
Sem que entenda, ser baixo, fraco ou forte
Ser bom ou ter sorte, tudo aquilo que se lamenta



Hoje que sigo, e sempre, sempre me digo
Sem razão de amor ou doçura menor
Tudo ao redor, tudo aquilo que sigo
Onde fico, conspira assim sem pormenor


É assim, música breve, linda e sem fim
Sem canção ou porventura, compôr
Onde se for, cantando tão simples assim
Que para mim, não passa de um doce ardor


Afeto, tão estragado e puro dialeto
Se afeto, ou se sigo sem nenhum caminho
Ou carinho, sempre me vi a olhar quieto
Esse afeto, se senti, foi sempre sozinho

domingo, 28 de novembro de 2010

The Pathless Road

The Pathless Road

Down the road I wander pathless
Walking aimless seeking the way
Through the brae and the meadow
Hearing the echo of the silence
Without guidance or blind fear
I will sheer blithely again
From the lane to a wider road
Giving goad to my willful soul
I will stroll `till I reach the shore
Where in mighty roar, freedom lies

sábado, 27 de novembro de 2010

Rapture

Rapture

Who knows the demon that in yell and light
        Rides the sky in the stormy night?
Whose spirit was never enraptured
        And whose soul was never captured
By the whimper and the gloom
        Of the lost in their mourning doom?
By the hiss that trembles the air
        And the muttered words its moaning bear

Lonesome and terrifying aeons fly
        Grisly grim shadows lurking nigh
Engulfing, whispering, rising
        Spirits calling, spirits crying
Stirred standing stately still
        Chocked by the stormy wind chill
And the raging freedom bursting inside
        Release the soul formerly tied

O`er the timeless and shapeless field
        All the world ruined and peeled
O`er the titans` mighty wrath
        And the gods` silken path
O`er the muses` harsh tears
        All men shiver in ghastly fears
For they know, deep in their core
        They shall feel it, nevermore

Poema em Dueto

The Golden Frog

In the path that goes down the road
I saw walking, a little toad
With his mouth full of gold
Wasn't money, but a secret he told

He made me see things I haven't before
He uttered about things of yore
And me, naive, cried, “My poor core!”
Shall my past leave me nevermore?

I ran as far as I could go
With my demons seeking my soul
I searched high and low
Everyplace the wind can blow

But the toad, found me once more
And revealed my soul`s hidden lore
That I saw, at my soul's shore
There, just at my fore

Was the answer to all my fear
I see my purpose, now and here
I should go searching for my dear
Or for a fine glass of beer

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Limiar

Limiar

Por imemoráveis anos tenho estado nesta mansão lúgubre. Nesta cela. Neste leito. Esperando por minha derradeira hora, me escondendo de criaturas que habitam esta casa enquanto minha sanidade se consome vagarosamente, como o óleo que mantém a tímida chama da lamparina à minha frente, que em vão tenta se opor à escuridão que se acerca à minha volta.

Reclino-me sobre minha velha escrivaninha, antes vigorosa e resistente, agora consumida por insetos e desgastada pelo tempo, esquecida em um canto escuro e afastado. Após tanto tempo evitando-a, reclino-me novamente sobre ela.

Tomo uma folha qualquer, roída por traças, procurando encontrar descanso aos meus pensamentos. Embebedo a fina ponta de minha pena no tinteiro, o líquido escorre delicadamente como meu sangue em minhas veias: negro e relutante.

Escrevo.

De minha inocente infância à minha sórdida velhice, preencho cada espaço em branco com todos os detalhes que minha mente me concede a permissão de lembrar, tornando negra aquela folha outrora alva com meu sangue amargo, aliviando meu espírito daquelas lembranças malditas.

Escrevo.

Escrevo até que o manuscrito se torne apenas um borrão indecifrável, tornando-o o novo receptáculo das memórias que minha mente já repudia.
Guardo minhas lembranças em uma gaveta e deixo-as ali, para que quando aquela casa retorne ao pó, que elas se tornem pó junto a ela. Que retornem ao nada e ao oblívio, ao vazio e ao olvido.
Tomo a lamparina em minhas mãos, coloco-me em pé com dificuldade e me arrasto até a porta, ouvindo o longínquo e próximo murmúrio agonizante de criaturas abomináveis e inomináveis.

Familiares.

Cada passo dado, vagaroso e cuidadoso, evitando que algo indesejável se acorde de seu profundo sono, se traduz no tenebroso ranger do assoalho. A lamparina que carrego, meu único sinal de esperança e lucidez em meio àquela funesta sombra que me engolfa, derrama seu óleo incandescente sobre o chão, e em meu coração clamo aos céus para que as chamas se alastrem e ponham um fim nesta terrível agonia e que os misericordiosos ventos dispersem os últimos vestígios deste maligno, detestável e desprezível lugar.

Em vão.

Faço meu caminho por corredores, salas, câmaras e antros; eu sei por onde devo seguir, eu sei para onde devo ir. Já estive próximo à saída, porém recusei seu convite, a casa me era mais reconfortante; mas agora que o fim se aproxima, tenho medo do remorso que sinto e remorso do medo que senti.

Logo à frente diviso um vulto pálido e disforme em meio às sombras, se arrastando sem rumo, como uma vaga lembrança que viaja pelos corredores da mente sem encontrar quem lhe convoca, e o dono daquela casa, sem conhecer o motivo da repentina visita, se esconde até que o convidado indesejado se vá, e assim possa retomar seu caminho, ainda que perdido sem o amor da doce Ariadne.

O horror toma minha alma, e o medo insano que incendeia meu espírito se confunde com a dor que sinto ao apagar a lamparina com meus próprios dedos desnudos, fechando-se em torno do pavio ao ponto de lograr sentir o cheiro de minha própria carne queimada.

Apenas alucinações.

(Apenas alucinações?)
Fecho meus olhos como uma criança que em sonhos vãos espera que a escuridão de sua alma lhe proteja da realidade. Ah!, inocência de minha doce infância: inocência que julgo ter carregado por toda minha vida.

Amarga vida.

Em minha própria escuridão sou atormentado por demônios que me atacam incessantemente, me inquirindo, me questionando sobre minhas ações passadas. Não suporto a agonia e abro os olhos novamente. Apenas escuridão e sonhos.

Chronos, pai de deuses e demônios.

Torno a caminhar. Sussurros distantes e indecifráveis me indicam que ultrapassei a algum tempo a fronteira da sanidade e agora caminho pelos verdes campos distorcidos da loucura, onde espero encontrar finalmente uma fonte que me sacie a sede que a travessia do deserto da realidade provocou.

Chego em frente à escada que me conduz abaixo, ao salão principal. Hesito. A idéia de deixar este lugar me agrada e me destrói. Por tanto tempo estive abraçado pelo calor maternal de suas paredes, estive em seu ventre desde seu crepúsculo iluminado.

Lentamente transformado em trevas.

Recuso-me a deixá-la. Mas suas acomodações outrora reconfortantes agora se mostram aterradoras e sufocantes. Como um animal moribundo em seus últimos espasmos, minha mente se contorce perante o dilema agonizante.

Caminho.

A cada degrau imensurável que minha alma transpõem, meu medo perante a perspectiva de encontrar o Desconhecido para além daquelas portas me faz vacilar e caminhar à sincronia vagarosa do infinito. A chama trêmula de minha lamparina cria sombras bruxuleantes que dançam em um ritmo ensandecido e inconstante sobre o chão de madeira enegrecida. Diviso formas conhecidas que escapam de minha mente e se juntam a outras criaturas em um ritual onírico, reunidas para conjurar o demônio que dorme profundamente por trás da minha consciência a fim de que ele tome controle deste invólucro terreno.

Mas resisto.

Assim que meus pés tocam o terreno antes habitado pelas sombras, que fogem em uma debandada louca perante à chegada da luz que as criou, meu corpo se contorce em convulsões diabólicas e meus sentidos turvam-se ao ponto mútuo em que sanidade e insanidade se interpelam, a confluência entre o divino e o infernal. O último clamor relutante daquela casa.

Torno a caminhar, andando em passos distorcidos, conduzido por uma melodia transcendental. Logo à frente observo os delicados raios de luz que atravessam o vão da porta deste cárcere: minha alma. Luz sublime que preenche meu espírito de uma paz etérea. Liberdade.

Sinto-me fraco. Minhas mãos tremem.

Ato final do destino?

A lamparina cai.

O óleo se esvai.

A chama se apaga.

domingo, 24 de outubro de 2010

Ame de Novo

Foste tu outrora um beijo polido
A brisa que sopra, nunca sozinha?
Foste tu o momento vivido
O abraço da colina?

E por que choras, ó radiante
A perda do teu céu
O quebrar do diamante
Se ainda vive o teu mel?

Vives tu agora o rasgar
Das cicatrizes, que suas lágrimas deixaram?
Pois volta então a sonhar
E abrace os que outrora te amaram

És tu agora o beijo da morte
E no andar, o passo da cripta?
O brilho do ouro sem sorte
Que o abraço sem brilho reflita?

Pois ame de novo anjo divino
A voz que canta teu nome na penumbra
Ama teu rosto, teu refino
Mas canta com rastro de tumba

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Fantasmas do Passado

Fantasmas do Passado
Angiuli Copetti de Aguiar
Segunda-feira, 10 de outubro.

Acabei de acordar de meu inferno particular, milhares de lembranças dançavam em minha mente e eu tentava afogâ-las com mais uma garrafa, mas elas flutuavam sobre aquela enchente de álcool e tentavam fugir da minha cabeça da maneira mais dolorosa. O inferno existe, e ele está no fundo de uma garrafa de whiskey .
Eu queria morrer.
A porta então se abriu: não sabia se era um anjo ou um demônio que passava por ela. Outra alucinação do meu passado? Tomei outro copo para ter certeza.
Seu nome era Nikki, filha de refugiados da Mãe Rússia que tentaram mudar de vida na Terra-da-Oportunidade. Parecia pálida e abatida, porém era a femme fatale de cabelos negros como a noite e vestido vermelho, sedutora como o diabo. E eu estava caindo na tentação.
- Você é um detetive, certo? – perguntou diretamente enquanto sentava sobre minha mesa e acendia um cigarro. A fumaça e a bebida faziam tudo parecer um maldito sonho inebriante e sem sentido em que você acha que o mundo vai explodir se você abrir a boca.
- Sim, querida, mas sem nomes, não quero me tornar famoso na Broadway do submundo. Então, qual é o caso? – pedi diretamente, entrando em seu jogo.
As palavras pareceiam se perder naquela atmosfera onírica, uma velha banda de jazz tocava em um bar próximo e sua melodia me transportava para dentro dos hipnotizantes olhos azuis que me encaravam.
Talvez eu já tivesse morrido.
Tranqüilamente, com a leveza de um lenço solto ao vento, ela soprava anéis de fumaça em direção ao nada que se expandiam até enfraquecerem e encontrarem o fim de sua efêmera exisência. Uma lição a ser aprendida. – Minha irmã está desaparecida, nunca nos separamos desde que eramos crianças, mas a gora não a vejo a semanas. Temo que ela tenha morrido, ou... sido assassinada – disse ela.
Uma lágrima deslizou por seu delicado rosto até encontrar seu lábio. Não tinha nada melhor a oferecê-la do que uma velha garrafa de whiskey barato que sem sucesso vinha tentando resolver meus problemas a anos e certamente não resolveria os dela agora, por isso simplesmente balancei a cabeça em sinal de ponderação.
- Sua história é tocante, mas não faço caridades – não poderia negar ajuda àquele anjo perdido, mas não sou nenhum super-herói e nem o aluguel se pagaria sozinho . – Não quero extorquí-la como um carcamano sujo, mas se o trabalho trás riscos costumo zelar pela minha segurança. E segurança custa caro.
- Não há problema, terá tudo o que precisar, contanto que a encontre. Ou encontre seu corpo.
Não conseguia entender o por que de ter sido o escolhido entre essa cidade de mocinhos e bandidos, talvez por que os mocinhos estivessem em falta, talvez por que ela quisesse sigí-lo. Mas não havia tempo para divagações.

Terça-feira, 11 de outubro.

"Há mais mistérios entre o céu e a Terra do que supõe a nossa vã filosofia", diria o poeta, mas não havia poesia no que eu fazia, apenas quebrar alguns ossos e conseguir meia-dúzia de informações que não levavam a lugar nenhum. Eu apenas solucionava os mistérios, não havia espaço para filosofia.
A primeira pista concreta que consegui arranquei da boca de um traficante que atuava no bairro, juntamente com um punhado de dentes. Meu senso de dever dizia para entregá-lo aos tiras, mas um peixe pequeno sempre leva aos peixes grandes e informação tem seu preço nas ruas, ignorar alguns delítos era o menor deles.
O traficante me disse que uma mulher, que encaixava com a descrição da irmã de Nikki, Natasha, comprava heroína dele e às vezes aparecia acompanhada de um homem. Era tudo o que sabia, sem nomes ou descrições, seus clientes gostavam de ser anônimos e ele não estava a fim de cooperar, mas era o suficiente, teria de arrancar-lhe os olhos antes de conseguir lhe arrancar mais alguma coisa.
Eu encontrára a pista de migalhas de pão deixada por Natasha mas os pássaros já haviam quase acabado com ela e era difícil seguí-la pela floresta caótica de Nova York. Tentei outros traficantes, mais dentes para a minha coleção e mais inimigos no meu encalço, mas niguém sabia de nada. Voltei ao meu velho amigo que havia me dado a primeira pista para arrancar-lhe os olhos, mas desta vez ele estava acompanhado.
Seus capangas se aproximaram de mim e me perguntaram por que eu era louco o suficiente para voltar ali. Quando o primeiro corpo cai e os outros percebem que sua arma está cheia de bons motivos você começa a conseguir as respostas que procura.
Homem alto, cabelo loiro, olhos escuros, jaqueta de couro, tatuagem de um corvo no braço direito; é impressionante a capacidade de lembrança de um homem com medo da morte. Matar um homem friamente não era meu estilo, mas eu não era nenhum bom samaritano, os tempos eram difíceis, bondade estava fora da minha jurisdição. Soltei-o quando o odor de urina que escorria em sua perna já estava insuportável.
Descobri por que ele tinha a preferência de Natasha: sua heroína era um tipo especial, novo, mais forte e mais viciante. Pobre Nikki, não tinha consciência dos esqueletos que sua irmã escondia em seu armário mais sombrio e profundo. Também descobri o bloco de apartamentos onde ela morava, e, após uma rápida investigação, descobri o número de seu apartamento. Encontrára seu armário.

Quarta-feira, 12 de outubro.

Policiais precisam de mandatos, licensas, autorizações: pilhas e pilhas de burocracia, por isso o sistema não funciona, mas aquele era o meu sistema e eu decidia como ele funcionava.
Arrombar a fechadura fora fácil, difícil era entender o que eu estava enchergando: o corpo de Natasha com sinal de estrangulamente e com várias marcas de facadas se estendia sobre o tapete da sala como um anjo na neve e sangue coagulado lhe contornava quase todo o seu lado esquerdo, como uma cobertura de morango infernal. Lembrei-me de Nikki.
Todas as paredes da sala estavam cobertas com inscrições em sangue de uma mente doentia: “desculpe”, “encontro você no céu”, “não foi minha culpa”, “te amo” e outras lamentações. Não estava tratando com um assassino comum ou um mero ladrão, e sim com uma mente perturbada, outro vírus correndo livre nas veias daquela cidade podre, outro número nas estatísticas. Mas estava tudo bem, eram os número que moviam Nova York.
Procurei nos outros cômodos: seringas, agulhas e alguns pequenos sacos de heroína, nenhum sinal da arma do crime, apenas notícias velhas. De repente algo chamou minha atenção: uma jaqueta de couro estava jogada sobre a cama de Natasha, seu companheiro misterioso estivera lá, esta era a migalha de pão que eu procurava.
Desci para rua e liguei para a polícia. Eles me conheciam, dei meu depoimento quando eles chegaram e contei o que sabia. Eles fariam testes com o material que encontrassem e eu logo teria mais peças para o meu quebra-cabeça. Logo depois liguei para Nikki e pedi para encontrá-la em meu escritório, assassinato era delicado demais para ser tratado por telefone.
Ela explodiu em lágrimas e soluços quando lhe dei a notícia. Em sua insegurança me abraçou como se o fim do mundo houvesse chegado e ela o negasse e logo começou a me beijar, suave e apaixonadamente, até alcançarmos o zênite da paixão.

Quinta-feira, 13 de outubro.

Acordei no outro dia na cama de Nikki. Eu não deveria me envolver com clientes mas fui pego na armadilha do diabo, havia algo naquele anjo sedutor que me impedia de pensar, apenas agir instintivamente. Talvez fosse seu ar misterioso, um passado escondido, ou seu olhar cativante, sua insegurança; eu não sabia, e isso me preocupava.
Deixei-a dormindo e fui para as ruas fazer meu trabalho. Liguei para a delegacia e falei com Dale Wells, um antigo amigo meu, ele poderia me informar a respeito dos exames das evidências. A primeira novidade me atingiu como um gancho de direita no rosto: uma das agulhas havia sido usada pela irmã de Natasha, Nikki. Ela certamente sabia mais do que aparentava e não quis me contar, a pergunta era por que. A segunda foi uma pista mais concreta: no bolso da jaqueta havia um cartão de visita do Horne`s, um prostíbulo imundo no canto mais afastado da cidade, e era para lá que iria.
Horne`s, o lugar mais sujo de Nova York que você pode entrar e sair com vida, o mais próximo que você chegaria da mistura de um cabaré dos anos 30 com uma sarjeta e licores vencidos. O Horne`s era como uma garrafa de whiskey ruim: seu melhor amigo quando não há mais nenhuma outra opção.
Sentei no balcão e pedi uma bebida qualquer, não fazia diferença, o que me entregassem seria tão intragável quanto óleo de motor. Ironicamente me entregaram um copo de whiskey.
Pedi ao dono do estabelecimento se havia visto alguém que se encaixava na descrição do amante de Natasha e ele me apontou para um homem sentado a algumas mesas de mim conversando com uma prostituta daquele parque-de-diversões de mafiosos, disse também que seu nome era Matthew. Dei outro gole no meu whiskey e descobri que estava tão bom que conseguia bebê-lo. Tudo estava se ocorrendo estranhamente, e isso me preocupava.
Levantei-me e fui em direção ao meu alvo com minha arma preparada sob o sobre-tudo, pedi para que a prostituta se retirá-se e que ele me acompanha-se se não o mataria ali mesmo, então Matthew tentou correr porém mudou de idéia ao perceber que não era uma simples ameaça e que ninguém ali era um santo para vir em seu socorro.
Levei-o sob protesto até o beco ao lado do Horne`s e lhe acertei um soco no estômago, um pequeno memorando de como eu conduzia meu trabalho, e quando já havia se acalmado comecei o interrogatório.
Ele me disse que conhecera Natasha no Horne`s, que ela era uma prostituta viciada em heroína e que ele requisitava seus serviços com freqüencia em troca de um pouco da droga. Me disse também que a última vez que a encontrára que ela estava tão drogada que ele preferiu ir embora, mas acabou esquecendo seu casaco em sua casa. Ele ficou surpreso quando contei que Natasha estava morta e negou todas as acusações de assassinato.
Levei-o para a delegacia sob a acusação de assassinato mas em meu interior eu sabia que ele estava falando a verdade, aquilo não era serviço de algum cliente drogado insatisfeito, era obra de uma mente mais misterosa. Esse último pensamente me congelou a alma, eu sabia a resposta e, por mais que quisesse negá-la, havia algo em meu interior que me perturbava e eu sabia o que era. Voltei para meu escritório e passei a noite em claro imerso em meus pensamentos e em uma garrafa de whiskey.

Sexta-feira, 14 de outubro.

Ao amanhecer eu sabia a resposta. Os raios de sol penetravam pela janela como um prelúdio da verdade aterradora que constatei. Liguei para Nikki para que viesse ao meu escritório e então lhe revelá-se a identidade do assassino.
Dez minutos depois ela chegou. Usava o mesmo vestido vermelho que da primeira vez que veio me procurar, parecia o mesmo sonho, mas agora se tornara um pesadelo.
- Quem! Quem é o assassino – ela me implorava.
Fui direto. – Você.
Nikki chorava como uma criança perdida assim que as memórias daquela noite trágica emergiam naquele mar de sentimentos e os fantasmas que a assombravam voltaram à vida. Ela me contou o que ocorreu.
Ela havia ido visitar sua irmã em seu apartamento àquela noite e a encontrára drogada deitada no tapete da sala falando coisas sem sentido. Nikki correu para ajudá-la mas Natasha a repeliu e começou a contá-la a respeito do prostíbulo e das drogas, de tudo o que ela escondia de sua querida irmã, um relato completo, como a queda das cortinas de uma peça trágica em seu ápice imundo.
Todo aquele sentimento de repugnância e repulsa por sua irmã e todo o conflito com a imagem com que Natasha vinha mascarando por tanto tempo eclodiu como um misto de ódio e tristeza, e assim Nikki estrangulou Natasha na busca de recuperar sua antiga e inocente irmã, e, após perceber o crime que havia cometido, injetou-se a heroína que sua irmã estava usando. Então, em um assesso de loucura sob o efeito da droga, apunhalou-a várias vezes com uma faca e em seguida escreveu aquelas mensagens com sangue na parede. Saiu, então do apartamente e vagou por algumas quadras até cair inconsciente em algum beco, acordando no dia seguinte sem nenhuma recordação da noite anterior. Talvez o choque traumático a havia feito se esquecer do incidente, ou talvez o diabo queria lhe pregar uma peça, mas não importava agora, o crime estava resolvido e logo a polícia chegaria para levá-la
Quando ela estava saindo algemada pela porta me deu um último beijo, rápido, porém sincero e apaixonado, e então saiu sem olhar para trás. Fiquei olhando pela janela enquanto a viatura partia, e, quando já havia sumido no horizonte, abri outra garrafa de whiskey. Coincidentemente, me peguei filosofando sobre a vida e a morte.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Contemplar

Foi em uma noite linda de inverno
Quando encontrei o seu belo sorriso
A primeira vez
Tamanha era a graça daquele anjo

As nuvens do seu ouro banharam meu ver tão graciosamente
Foste tão secreto o meu desejo de te amar tão fortemente
Sob o lúgubre da penúmbra de onde tu me tiras o chorar

Na pedra reluzente, onde tu repousas tua doçura
Nesta delicadeza tão acima, tão divina
Serias tu um sonho?
Talvez um ser que habita os quereres da minha alma
E como me ponho a dizer para ninguém
O valor das tuas asas e lábios

Óh anjo divino!
Do ouro dos teus cabelos
Do veludo que teus lábios vestem
Faça de mim teu protegido
Demasiadas vezes a penumbra da solidão
Tem me rasgado a alma sem compaixão

E mesmo que mudo
Meu gritar por tua presença é tão forte
Eu contemplo o vulto do que só posso ver

Partem-se os céus diante do teu sorrir
Tua mente, fonte tão rica
Como a minha vontade
De enrolar tuas asas em meus braços

Só peço que paire nas proximidades dos meus olhos
Se não posso contemplar tua mocidade
Se não posso contemplar teu voar e tua graça
Teu sorrir, teu pensar, tua doçura
Não vale a pena nada mais contemplar

terça-feira, 21 de setembro de 2010

The Death of the Brave

"Poema sobre o herói escocês William Wallace."

The Death of the Brave


Is it thou, my love, who wanderth in light?
Thou who cometh when day fadeth into night
Bearst my spirit to my forefathers’ hall
For out in the distant I hear them call

Is it thou who releaseth me from pain?
Though I am dying, I shall not die in vain
The sound of pipers echoeth in the land
For I have fought and not feared the near end

Whither hast gone thou, bender of the thistle?
Alas! I shall hear no more thy whistle
Farewell, breeze of the autuum’s dusky valley
For death approacheth and I leave thee sadly

Hath thy shadow grown, oh oak of the hill?
Beholding thy mighty image I stand still
My beloved land, at the gallows I lie
For freedom I claimed, the price was to die

Do ye, winds of the highlands, fly above?
Lead me forth to the arms of my dear love
At the threshold of death I feel thy clutch
For as the sun my heart blazeth at thy touch

Hath the winter's mist now covered my sight?
Thy gleaming fair green eyes now shine so bright
The time hath come as I fulfilled my part
For free was my soul and brave was my heart

domingo, 19 de setembro de 2010

Segunda Chance

Você dança em um mar descontentado
Pois não é de vosso agrado
As coisas que ostentam o desamparado
Dando-me de todos o mais pesado fardo

Neste mundo tão ríspido de prazeres e dizeres
Que se disperçam num gelar daquela carne tão crua
Pois há de chorar sem compreenderes
A morbidade que neste viver se situa

De mil pragas a lançar sobre aquele que ama
Entrelaçado o destino e a desgraça
Do construir, uma tão desgraçada fama
Sem poder reagir do destino a ameaça

Que errei e paguei, nenhum deus há de duvidar
Mas será justo o polido outrora não poder tentar?
Redimindo-se do erro que está a ele torturar
E poder dizer do jeito seu certo, o seu jeito de amar

Pois morreu aqui um sonho, de justiça e afago
Daquele que não soube falar, nem ser ouvido
Que condenado, a ser amargo
Onde podia, ser tão querido

Queria poder ser escutado
Por aqueles que os desejos atendem
Uma segunda chance, eu peço desesperado
Queria ser ouvido, pelos que me entendem

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O Dragão sob a Montanha

"Poema em métrica aliterativa-acentuada utilizada pelos sceopas (bardos) anglo-saxões."

O Dragão sob a Montanha

Sob a sombra da montanha, || serena a neve jazia
Sangue e cinzas ao chão, || o som do pranto se erguia
Fumaça e fogo aos céus, || a face do rei sem vida estava
Morte! Morte! Ao demônio alado, || em mágoa gritava um jovem
Parado em pé, || perante o horror que seus olhos viam
E o dragão desvanecendo no céu, || dirigía-se ao topo da montanha
Erguendo sua espada furioso, || ao encontro do verme correu
Montanha acima movia-se lentamente, || a morte lhe inflamava o coração
Avante avistou a grande besta, || alva como o branco à sua volta
O que buscas, criança? || Questionou o animal
Retornei com tua ruína, || respondeu o jovem
Vim vingar o meu povo, || verme assassino
Teu sangue será meu || e só então descansarei
Por que te precipitas? || Pediu o dragão
Tens certeza em sua busca? || Será correto o que procuras?
O monstro que queres matar, || não é aquele que morto está?
O animal que assolava esta terra, || não é aquele que queres vingar?
Sobre sangue e crueldade || seu povo reinou
E com medo e morte || manchou este lugar
Criaturas cruéis, || criminosos e assassinos
O destino os devolveu || a desolação que causaram
Mas a mesma morte que os cercava || mostra-se em teu olhar
Podes tu puní-los? Podes tu julgá-los? || Perguntou o jovem
Em silêncio subiu o dragão aos céus || sem responder tal indagação
Rapidamente retornando de onde viera || tal como repentinamente surgiu
E o jovem jazia ponderando || que julgamento o destino lhe traria

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Maldição Do Destino

"Bem, minha primeira postagem de um poema. Creio que devo fazê-la com um poema de cunho romântico, não é meu único estilo para escrever poemas, mas é um bem característico. Espero que gostem."


Maldição do Destino



Queria eu ser perfeito para te fazer sonhar sem parar
Botar-te em um rio de doçura posto na eternidade
Queria eu ser bom o bastante para te fazer sonhar
Sonhar com amor e cantigas de felicidade


Queria ser eu capaz de dizer-te coisas bonitas vindas da lua
Acariciar-te no banhar dos sonhos
Cantar-te dizeres de sábios, cantar da beleza tua
Cantar aos teus olhos, espantar os pensares medonhos


Queria eu ser capaz de poder- te abraçar e dizer que és minha
De parar de chorar quando digo teu nome ao escuro
De beijar tua face, tão delicadinha
De ser tua calma, teu porto seguro


Ó desgraça! Este destino que me pôs longe dos teus braços
Ó desgraça! Este destino que me tirou dos teus beijos
Deleita-me ao meu olhar teus traços
Sonhos constantes nos teus gracejos

Maldito destino que me tirou de você
 Um sorriso dele, ainda que não bastasse
Para em ter você, ele dizer que crê
Ó destino! Se desta maldição me tirasse

domingo, 12 de setembro de 2010

A Balada de Fearghail

"Conto ambientado na Irlanda medieval inspirado em lendas celtas e, principalmente, no livro Poems of Ossian, de James McPherson."

A Balada de Fearghail
Angiuli Copetti de Aguiar


Ó bardo que habita os salões de reis, empunhas a harpa ao invés da lança, entoa canções sobre guerras que nunca travou. Entre teu povo não é conhecido o nome de Fearghail, nem tão pouco sua bravura em batalha ou seu nome é renomado entre as canções. Traidor o chamam, mas da boca de seus inimigos ouviram sua história, ouçam, pois agora, a história de Fearghail Mag Uidhir, meu senhor, mais nobre guerreiro da terra da Irlanda.

O Sol resplandecia em sua fronte ante o campo de batalha. Seus cabelos brilhavam em chamas como o Sol do amanhecer e seu olhar se perdia no horizonte. Ali, sobre a colina de Emain Macha, trono da deusa da guerra, em frente a uma planície verdejante estava a figura de Fearghail. Admirava a beleza daqueles campos antes de serem manchados pela rubra cor do sangue. Fearghail Mag Uidhir, comandante de exércitos, general de Cormac Mac Airt, ard-ri da sagrada Terra de Ériu1.
Ante seu chamado exércitos se erguiam em batalha, sua espada era como um raio em meio à guerra e seu nome terror para seus inimigos. Como fogo descendo dos céus sua espada banhada em sangue rugia, seu escudo era como uma montanha, intransponível e imponente. Sua lança diziam ser a própria lança de Lugh, rugindo e flamejando, nunca se cansando de matar.

Ó nobre Fearghail que jaz no outro mundo, teu nome era renomado e sua bravura temida em batalha.

Avançou à frente de teu exército contra os ferozes guerreiros de além-mar, mais uma vez lutava pela defesa de tua gloriosa Irlanda. Um a um derrubava seus inimigos, como um ceifeiro às vésperas do inverno que colhe o trigo com pressa. Seus cabelos vermelhos tremulavam ao vento como línguas de fogo; não usava elmo, não temia a morte, pois preferia perecer na batalha a padecer moribundo em uma cama. Mas a morte não se encontrava na lâmina inimiga, e sim na sua própria, que tomava com rapidez a vida de quem se opusesse a ela.
Como demônios aqueles guerreiros de terras longínquas vinham à batalha com sede de sangue e vingança pelos companheiros mortos. Mas nenhum inimigo permanecia diante do temível Fearghail e nem sua disposição fraquejava. A noite veio cobrindo com um véu prateado o campo de morte.
Sobre aquele lago vermelho jazia o poderoso Allad, primo de Fearghail, valoroso entre os guerreiros, e também Flann, seu filho.

Quantos pais choraram à morte de seus filhos? E quantas mulheres choraram junto ao túmulo de seus maridos? Tu, ó bardo, que cantas a morte de heróis, mas não a morte de estranhos, não conheces tu o pranto ou a tristeza. Mas mais choraram as mulheres de nossos inimigos naquele dia, pois grande era seu número caído em nossos campos.

De entre todos os guerreiros então surgiu, altivo como um rei, imponente como um deus entre os mortais, envolto pela luz cinzenta do luar, Fearghail, com sua espada apontada ao rei escandinavo, e bradando em alta voz, fez silenciar todo o campo de batalha.
- Teu nome é conhecido entre teus inimigos, ó Egil, rei de Lochlin². Teus feitos são temidos e tua voz respeitada. Mas não encontrarás refugio na terra da Irlanda, pois os que aqui habitam a defenderão, e seu sangue será vingado. Lute comigo, ó Egil, ou fuja para sua terra para nunca mais voltar.
- Bravo tu és, nobre Fearghail, e renomado é teu nome. Tu és honrado, mas não o suficiente para lutar com um rei, mande vir Cormac e com ele lutarei. Pondo-se em frente a todo o exército, Fearghail replicou.
- Rei tu és, mas de terras distantes. Lute comigo, e talvez meu rei te recebas; venças, e te tornarás digno de pisar nesta terra; pereças, e teus guerreiros erguerão um memorial a ti aqui neste campo; fujas, e tua vida serás poupada. O que decides?
- Tu és insolente e falas como um rei. Hoje te encontrarás com teus ancestrais.
Os dois poderosos se ergueram em fúria, espada contra espada, sangue contra sangue. Como fogo e gelo lutaram, uma luta que a pena não se atreve a descrever.
Duas vezes Fearghail foi ferido, mas bastou um golpe contra Egil para o derrubá-lo e cortar-lhe o coração, fazendo seu sangue cair por terra junto ao sangue de seus guerreiros.
Ali naquele campo caiu Egil, rei de Lochlin, poderoso em batalha. Uma pedra foi erguida em seu memorial, e seus homens foram poupados, como havia jurado Fearghail.
Recebido foi então, o comandante de exércitos, por Cormac com uma festa em seus salões. Lá se encontravam os heróis da batalha: Brian, príncipe de Erin; Banno, o Valente; Connal, filho de Comhal, o irmão de Cormac, maior guerreiro dentre todos os soldados de Erin; e também ali estava Oengus, o Louro, filho de Fearghail, nobre como o pai, valente como um guerreiro da sagrada Irlanda.
A festa se espalhou. Os bardos cantavam em júbilo à batalha vencida, aos heróis que em glória retornaram e aos falecidos que nos campos de guerra ficaram. O nome de Fearghail foi exaltado em canções, canções e poemas já esquecidos, assim como a honra de seu nome.
Mas nem as canções entoadas, nem a glória alcançada, nem as honras recebidas o alegravam tanto quanto a presença de sua amada dama, vestida em fino linho, branco como o lírio da manhã, brilhando tal qual o belo âmbar; cabelos negros e pele alva como as negras asas de um corvo em meio à neve invernal; donzela de beleza altiva. As horas se passam, a noite se adentra levianamente, os bardos se cansam, o salão é deixado para os fantasmas de nossos antepassados, as luzes se apagam e o silêncio reina supremo e incontestável sob a luz do luar.

-Caiu Cormac. Caiu Cormac Mac Airt. Caiu o rei de nossa Irlanda. Caiu nossa Irlanda.
O mais nobre dentre os nobres, rei de todos os reis; jaz agora Cormac no campo da batalha. – Quem haverá agora de governar? Quem haverá de ser tão sábio e poderoso quanto o sábio e poderoso Cormac? Caiu, caiu. Caiu nosso rei – gritavam e lamentavam os homens que ali permaneciam, lutando e protegendo o corpo de seu senhor.
De distantes terras voltaram os furiosos guerreiros de Egil. Com ódio e fúria em seus corações, clamando por vingança, liderados por seu agora rei Adil, filho de Egil. Emboscaram e atacaram, para Tara Cormac não mais voltaria.
Densa névoa o seguia, de Armagh o rei partira; valiosos soldados o guardavam, em seus cavalos pardos cavalgavam. Dentre as árvores surgiu: uma seta traiçoeira encontrando seu alvo, e ali Cormac caiu.
O silêncio tomou conta do momento: os homens se viram petrificados, o sangue lhes fugiu das faces e suas almas congelaram; um tremor se apoderou de seus corpos e a tristeza pela morte de seu amado rei lhes inflamou os corações e as espadas, engajando em uma luta desesperada.
Um a um os guerreiros irlandeses caíram, até o último homem permanecer de pé, Connal, sobrinho de seu falecido senhor, a quem mais doera a perda; barbas longas e rosto marcado pelo tempo e pelas batalhas, agora triste e desolado, subjugado pelo inimigo.
- Mate-me! Mate-me! – gritava o guerreiro. Mate-me tu e tua corja de animais, rei de cães e desonrados. Aqui desembarcaram, mas aqui não ficarão, pois os que defendem esta terra se vingarão, e sua fúria será tão poderosa que seus deuses a temerão.
- Não te matarei – replicou-lhe Adil -, pouparam nossos guerreiros e eu te pouparei. Nos entregaram o corpo de nosso rei e nós lhe devolveremos o seu. Toma agora um cavalo e parte para teus senhores, entrega-lhes o corpo de Cormac e anuncia queda de tua terra. Escondam-se em suas casas e meu exército passará por suas cidades como o vento em meio a uma viela, mas busquem vingança e nem a tempestade do mar será tão devastadora quanto os guerreiros do gelo.
Tomando o cavalo de Cormac chegou a nós, mensageiro da morte em um cavalo branco. O pranto tomou conta de todos os salões, uma maldição tomou nossa terra, um silêncio tomou o coração de todos.
A densa névoa de morte se mesclava com uma chuva fina e lapidante, a pira funerária do rei se erguia majestosa sobre a colina de Tara, majestosa como os feitos daquele que ali repousava e que um dia ali governara, o último leito do grande rei Cormac Mac Airt. Sua alma seria recebida em glória por seus antepassados no Outro Mundo. Os bardos cantavam, canções tristes e canções alegres, de recordação e de pranto; e também cantou Fearghail, e todos ali presentes cantaram por seu amado rei e pelo triste destino de nossa Irlanda.

-Quem há de lutar por uma terra perdida? – ecoa a voz dos traidores.
- Incontáveis são nossos inimigos – ecoa a voz dos fracos.
- A vitória só será alcançada se lutarmos em sua esperança – ecoa a voz dos que ainda lutam.
- Por nossa terra lutaremos em detrimento da liberdade – se ergue a voz de Fearghail, imperiosa como a luz na escuridão.
- Uma luta perdida sim lutaremos – a voz dos covardes se exalta.
- Mas ainda assim lutaremos – retrucou-lhes Fearghail -, e se morrer devemos, em honra e glória partiremos. O Sol ainda brilha em nosso céu e a esperança repousa em nosso campo, os covardes podem ficar, mas os bravos hão de guerrear.
E para a guerra partiu o nobre Fearghail, e também Connal, e Oengus, e Brian e Banno, e todos os guerreiros valentes, com coragem para travar uma luta desigual e perdida com os invasores e sacrificar até o último homem para defender sua terra. Vós, covardes, que em suas casa ficaram, temendo a morte ao invés de marcharem para a batalha, vós chamais Fearghail de traidor por não se subjugar a reis estrangeiros, por não partilhar de seus temores, por ser forte e honrado até o fim.
O inimigo foi divisado no horizonte. Um horizonte cinza e melancólico, sem esperança para quem para lá marchava. Fearghail parou. As lanças do exército de Lochlin eram como uma floresta, manchada de sangue e ódio.
Avante dos dois exércitos iam seus comandantes, Fearghail e Adil, se encontrando no centro da planície.
- Parte. Parte agora Adil, pois teu destino é o mesmo de teu pai e teu exército não será poupado. Nosso acordo foi quebrado e minha fúria pouco cabe em meu coração; Nosso rei foi morto de maneira traiçoeira, como um animal da floresta, caçado covardemente.
- A morte de meu pai será vingada, em vermelho tua terra verde se tornará. Fuja com o resto de teu povo, Fearghail, e poupe sua vida por mais um dia, ou jogue suas armas aos meus pés e jure fidelidade a mim Adil, rei da Escandinávia, e seu povo será poupado, mas não tu Fearghail: não tu em cujas mãos foi derramado o sangue de Egil.
- Não sou um rei para decidir o destino de meu povo, nem um covarde para abandonar aqueles que amo, tampouco escolho a morte para outros que não eu; quem me segue vai de encontro à morte certa, mas também à liberdade que por hoje lutam. Sou sim um guerreiro, e hoje morreremos, talvez julgados como traidores e geradores de desgraça de nosso povo, mas ainda assim tombaremos em defesa do que nos é caro.
- Então que assim seja. Hoje terei tua cabeça e a cabeça de cada um que tu proteges.
Cada um voltou à frente de seus exércitos. Como um trovão em meio aos montes marcharam, e como dois mares se encontraram, fazendo a terra tremer a seus pés.
Apesar de esquecidos, hoje venho a exaltá-los e dar-lhes um merecido réquiem. Quem lutaria uma batalha perdida, se não nós, filhos da Irlanda?
Ainda que em maior número, nossos inimigos foram fracos e em nossos escudos havia seu sangue. Fearghail lutava à frente de todos, intocável e resplandecente, nobre e valoroso até o fim de seus dias. Adil havia se posto contra Oengus, suas forças se equivaliam, mas sua luta fora breve.
Oengus tombou com um corte em seu peito, triste fim de um grande guerreiro, filho honrado de Fearghail, que sobre seu corpo chorou. Seu coração se encheu de lágrimas e uma tristeza profunda lhe abateu, nada mais à sua volta importava.
Em ódio se ergueu, gritando aos céus e amaldiçoando o nome de Adil, correndo em sua direção o atacou, dando início a uma luta tão terrível que todo o campo se silenciou ante a fúria de seus comandantes, senhores dos guerreiros que ali estavam.
O tempo pareceu ter parado quando sua espada haviam se encontrado e longo fora o duelo ali travado. Ninguém avançou, ninguém recuou, como dois montes imponentes e imóveis.
Em um golpe certeiro Fearghail desarmou o jovem rei, e como nobre guerreiro, ó maldita fama que foi sua ruína, a luta parou. Porém traiçoeiro qual uma serpente, Adil, armando-se de um punhal escondido, sobre nosso amado general se atirou, ferindo-lhe seu peito. E Fearghail, tomado de surpresa também acertara-lhe o coração, caindo Adil de rosto ao chão e Fearghail de joelhos, morrendo assim mesmo, resgatado por Connal, não tocando o mesmo solo em que morreram seus inimigos.
Uma tristeza se caiu sobre toda a Irlanda, mais profunda que o silêncio da noite. Um trovão rasgou o firmamento na hora em que Fearghail morrera, e o céu se tornou escuro por alguns instantes, acompanhando o sentimento da terra que perdia seu mais valoroso guerreiro.
A batalha teve início novamente, ambos os lados abalados pela perda de seus senhores, porém enquanto os homens de Lochlin estavam assustados e chocados, nosso amor por Fearghail nos deu nova força contra o inimigo, nos impelindo em uma onda destruidora como o mar contra a areia da praia, e a vitória ascendeu em glória sobre nossos campos.
A natureza parecia chorar sua morte. As lágrimas dos céus e dos homens se fundiam em tristeza pela morte dos que ali jaziam: Brian não mais reinaria, encontrara seu pai novamente tão cedo; Oengus, de morte gloriosa contra o inimigo de sua terra, e todos os outros valorosos guerreiros que morreram defendendo nossa Irlanda, que tu, ó bardo, habita hoje em liberdade e que despreza aqueles que morreram para te defender. Mas mais choramos por Fearghail, aquele que nos guiou e nos comandou, honrado e valente até o fim de sua vida, maior guerreiro que pisou nesta terra.
E no local em que seu corpo foi queimado sobre uma pira de carvalho, entre as cinzas uma rocha fora erguida em sua homenagem, e nela dizia:

Aqui jáz Fearghail, filho de Finn
Guerreiro valente e de alma honrosa
Filho da gloriosa terra de Erin

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1. Nome do qual descende o atual nome da Irlanda: Terra de Ériu, ou Terra de Eire (Ireland).
2. Nome gaélico para a Escandinávia.