terça-feira, 16 de outubro de 2012

XII

Teria sido um agradável trato
Se alento algum aquele rio trouxesse
À alma, ou alma alguma ali houvesse,
Salvo aquela a mirar o quadro ingrato.

Rasteja morrediço o grís regato;
E a relva ao seu redor, quando anoitece
Torce-se triste como se antevesse
À minguante um nefasto correlato.

Entre fluídas formas hirtas leio
A verdade de augúrios já sabidos
E o ímpeto de renegar o anseio...

Quão é me amargo maldizer a Lua!
E ver entre semblantes retorcidos
O tempo escoar inerte pela rua.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O Poço

Venha salvar-me, voraz tempestade!
Que a brisa suave envenena meu ser!

Veja este rosto que aqui neste poço
Assoma-se às sombras de seu frio fenecer!
Inerte escárnio lhe cobre o semblante,
Escárnio inerte de seu próprio viver.
Assombram-me os olhos aqui refletidos,
Os olhos (meus olhos!) para sempre perdidos
Em sua angústia de infindo rever.

Revolva à vida este lago gelado!
Venha afogar esta imagem irreal!

Outra vez vejo ver-me a mim
Nos destroços deste poço ancestral,
Refletindo o cair das estrelas
Que se apagam nestas vagas sombrias,
Frias ondas de ilusão celestial.
Que se encontram no sangue e na noite:
Nívea flor de torpor infernal!

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A John Keats

Por longo tempo vaguei neste leito
E deslumbrei-me em sua iridescente
Veste de calmas águas, onde o silente
Tempo perdeu-se; e meu sereno peito,
Ainda que ao celeste enlevo afeito,
De suas cores ébrio em seu fulgente
Ventre imergiu. Ali, leve e indolente,
Meu espírito ao tudo foi desfeito.

Que mão a me guiar, então, absorto
Em vida e inconscientemente morto?
Eras tu, imortal, transfigurado
Em poesia. Teu nome escrito fora
Nestas águas: mas tu, à terna aurora
Para sempre alçará teu verso alado.

Soneto De Mudança


Tudo que muda
Ou passa a ser
Que transmuta
É belo ao riso do ser

Um sorriso macio
Um berço dengoso
Um ato gentil
Abraço saboroso

E lá fora neva, tostando
Os olhos do pensador
O calor, o frio, branco

Faz-se figura do sonhador
Quem outro fez chorar
Hoje é riso posto a bailar

O Tempo É


O tempo é
Ao mesmo tempo
E todo o tempo
Horrível e delicioso

O mais cruel
E mais sábio mestre
Do homem mal
E do bondoso

Enigma tal
Tão vasto tal rosto
Quem vive por ti
Canta com a alma
E quem morre, de desgosto

domingo, 7 de outubro de 2012

A um Poeta Esquecido

Ao teu corpo enterrarem, em teu peito
Tua alma esqueceram: o perverso
Que rói teus ossos rói também teus versos;
O Tempo é o verme que perturba o leito.

Ainda que às estrelas não eleito,
Alegra-te, que à terra, ao ritmo inverso
Da vida, tua alma será berço
De outra alma, e teu verso, em novo feito.

Tal qual os frutos de ramos perdidos
Voltando à terra brotam ramos belos,
O poeta, voltando assim aos velhos

Em seu campo terá versos floridos:
Pois, se com sua pena um livro lavra,
Há de colher, também, novas palavras.