sábado, 24 de agosto de 2013

Ulysses

Minha tradução de Ulysses, de Alfred, Lord Tennyson.

Ulisses

Pouco proveito traz que, um ocioso rei
Junto à lareira, em meio a estes penhascos áridos,
Unido a uma idosa esposa, eu meça e imponha
Leis desiguais por sobre uma selvagem raça,
Que dormem, e devoram, e me desconhecem.
Eu não descanso da jornada: beberei
A vida até o sumo: Sempre desfrutei
Pleno, pleno sofri, ambos junto daqueles
Que me amaram; sozinho, junto à costa, e quando,
Por céleres correntes, as chuvosas Híades
Molestaram o mar turvo: tornei-me um nome;
Pois, sempre errando com um coração faminto,
Muito vi e conheci; cidades de homens
E costumes, concílios, climas, governos,
Eu mesmo não menos, mas honrado por todos;
E bebi o prazer da guerra com iguais,
Longe nas tormentosas planícies de Tróia.
Eu sou uma parte de tudo que encontrei;       
Mas toda experiência é um arco pelo qual
Cintila o inexplorado mundo cujas margens
Vanescem para sempre e sempre quando avanço.
Quão tedioso é parar, chegar a um término,
Enferrujar sem lustro, não brilhar em uso!
Como se alento fosse vida! Vida sobre
Vida foi muito pouco, e de uma p'ra mim
Pouco resta: porém cada hora é salva
Daquele sempiterno silêncio, algo mais,
Um portador de coisas novas; e vil fora
Por três sois resguardar-me e poupar a mim mesmo,
E este espírito cinza ansiando em desejo
Seguir sabedoria como a uma estrela,
Além do limiar do pensamento humano.

    Este é meu filho, meu próprio Telêmaco, 
Para quem eu concedo o cetro e a ilha,-
Meu filho amado, discernindo p'ra cumprir
Este trabalho, com prudência tornar brando
Um povo rude, e pouco a pouco, lentamente,
Subjugá-los ao proveitoso e ao deleitável.
Inocente ele é, centrado na esfera
De deveres comuns, decente a não falhar
Em gestos de ternura, e pagar         
Adoração devida ao deuses familiares,
Quando eu for. Ele faz sua parte, eu a minha.

    Lá jaz o porto; o barco infla suas velas:
Lá escurecem os vastos mares. Meu marujos,
Almas que labutaram, pensaram comigo -
Que sempre com alegre acolhida abraçaram
O trovão e o fulgor do sol, e opuseram     
Corações livres, rostos livres - somos velhos;
A idade tem ainda sua honra e afã;
A Morte tudo acaba: mas, antes do fim,
Algum trabalho nobre, deve ser feito,       
Ainda sendo homens que andaram com Deuses.
A luz começa a cintilar por entre as rochas: 
O longo dia acaba: a lua sobe: cavos
Murmúrios se assomam com muitas vozes. Venham,   
Não é tarde p'ra procurar um novo mundo. 
Empurrem e, sentando em ordem, embatam
Os ressoantes sulcos; meu intento é
Navegar para além do pôr-do-sol, e os banhos
Das estrelas do ocidente, até que eu morra. 
Talvez os golfos venham a nos afundar:
Talvez encontraremos as Ilhas Alegres,
E veremos o grande Aquiles, que conhecemos.   
Muito se fora, muito ficou; e apesar
De não termos aquela força que outrora
Movia a terra e o céu, isto que somos, somos;
Uma índole igual de heróicos corações,
Fracos pelo tempo, mas fortes em vontade
De lutar, procurar, ter, mas jamais ceder.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Os Mercadores

São dois homens, talvez dois mercadores,
Figuras negras contra um rubro céu
Que morre. Não há sol; um turvo véu
Cerceia o horizonte e derredores.

Nada ouço que dizem: se rumores
Valores ou saberes, não sei eu.
São sombras, afinal, cada um com seu
Destino, suas cargas, suas dores.

Os mercadores permanecem quietos,
Talvez assim entendam-se, talvez
Não haja nada mais a ser falado.

Ao fim do dia seguem seus trajetos,
Despedem-se e cada um, por sua vez,
Retoma suas dores e seu fado.


sábado, 3 de agosto de 2013

The City in the Sea

Minha tradução de 'The City in the Sea', de Edgar Allan Poe.


A Cidade no Mar

Veja! A Morte a si mesma ergueu um trono
Em uma estranha cidade jazendo em abandono,
Longe, absorta no sombrio Oeste ermo,
Onde o bom e o mal, o pior e o superno
Partiram a seu descanso eterno.
Lá santuários e palácios e torres
(Torres que não tremem, pelo tempo carcomidas!)
Não se assemelham a nada que é nosso.
Em torno, por congregantes ventos esquecidas,
Resignadamente sob o firmamento,
As águas jazem em desalento.

Nenhum raio do santo céu invade
A longa noite daquela cidade;
Mas a luz do lúrido mar dormente
Flui sobre torres silenciosamente -
Cintila sobre os cumes livremente -
Sobre domos - sobre espirais - sobre salões reais -
Sobre templos - sobre babilônicos umbrais -
Sobre a muito esquecidas sombrias pérgolas
De esculpida hera e flores pétreas -
Sobre muitos e muitos altares divinos
Cujos engrinaldados frisos fazem unidos
As vinhas, as violetas e os violinos.
Tal se fundem torres e sombras em tal lugar
Que tudo parece oscilante sobre o ar,
Enquanto de uma torre orgulhosa
A Morte olha abaixo monstruosa.

Lá, templos e túmulos abertos, rente
Escancaram-se às águas reluzentes;
Mas nem as riquezas que lá tem abrigo
Em cada olho diamantino -
Nem o morto ornado de alegre enfeite
Tenta as águas de seu leito;
Pois nenhuma onda se agita
Por sobre a imensidade vítrea -
Nenhuma ondulação diz que os ventos possam estar
Nalgum longínquo e alegre mar -
Nenhum suspiro insinua que os ventos tenham estado
Em mares menos hediondamente parados.

Mas veja, um distúrbio está no ar!
A onda - lá está a tremular!
Como se as torres houvessem empurrado,
Ao afundar um pouco, o mar parado.
Como se os cumes houvessem debilmente dado
Um vazio sobre o Céu velado.
As ondas agora brilham com mais rubor -
As horas ofegam débeis e sem vigor-
E quando, em meio a não terrenos, murmurantes tonos,
Lá embaixo aquela cidade achar paragem,
O Inferno, surgindo em um turbilhão de tronos,
Prestar-lhe-á sua homenagem.