terça-feira, 26 de novembro de 2013

Elísio

Aquela sombra conquistou sua evanecência.
Por demais lutou contra a força de enformá-la,
Esta ideia do sol de uma indelével vista -
Inflexível vazio que logra o inverossímil.

Evanescendo, do crepuscular violáceo,
Agora um transparente pássaro assentado
Sobre a lua, cantando em silentes estrelas
Sua verídica composição do dia.

É a lua um rememorar do sol, no qual
Meandros de seu movimento perpetuam.
Sua memória é sua ideia em movimento,

Assim como a verdade é um esquecimento:
Elusiva lembrança que a beleza encontra
Vislumbrando a elisão na memória do mundo.



O Seu Beijo


Não exagero quando digo que um poema é pouco
Para expressar a preciosa e tão cara sensação,
Que tenho quando, feliz e ainda meio louco,
Sinto que sou tocado nos lábios e no coração.

Já é tamanha a demasia de imagens e sensações
Nos teus olhos que me invadem de mansinho,
Devagarinho me aquecendo, ou as emoções
Que tu guardas atrás do semblante delicadinho.

Meu anjo, que carregas contigo em tão ardentes
Lábios para que tenham ao toque esse poder?
Que segredos guardam toques leves tão quentes
E carinhos tão doces, que minha alma fazem ferver?

No teu sorriso, tão lindo, tão doce, tão sereno,
Eu esqueço de pensar por um breve momento.
Pois perto de você meu coração é mais ameno
Esqueço de qualquer dor e de todo sofrimento.

As nuvens, intensas, que me adentram o peito
E me abrem os olhos para uma toda nova certeza,
Fazem-me cada dia mais querer repousar no teu leito.
Você, meu anjo, é um rio e seu beijo a correnteza.

domingo, 24 de novembro de 2013

Favola del Fabro

Um pequeno pássaro,
Fugindo a um negro gato,
Tornou-se a lua.

O incansável gato,
Para alçar ao inalcançável pássaro,
Tornou-se a noite.


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Brown Birds

End-day's rain falling silently surprises
The brown birds of tomorrow's morning boughs.
Bow down, rain, passing those wings; they are your
Earthly ascending siblings of a subtler
Divinity than ours. Remark those hours
Of sleep as you remark the earth you meet.
In death they still sing, not in muttering
Miracle, but in that mute principle
Of all ends. They merely rest from their dreams
In the morning, in their boughs of thought-weaved
Leaves of heavenly mind, as a mystery
Disclosed under clouds. Fall, rain, and as you
Fall, revere that revery, which dreams of all.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Dédalo

Inquiro cada entrelaçada linha
Que não vejo, translúcida que traz,
Ao sol, de um céu a um eu o meu desejo
Desconhecido, transladado incauto,

Tornado em mim um riso irredimível
Do superior temor não vislumbrado
Mas sentido: criei tais laços ou
Tais olhos cegos? - ou inquiriria:

O mar ainda expulsa estas imagens.
Permanecem, porém, em meio àquele
Vapor dos sonhos distendido contra

Os pensamentos que, propensos, calam-se
E caem sobre a terra - ou cairiam,
Tivesse eu força para derrubá-los.


A Sombra


Outrora em uma noite quieta e sonolenta,
Quando o silêncio sob os sonhos se prende:
Palco de uma história mórbida e sangrenta
Foi o apartamento de um amigo de mim antes presente.

Em seus pensamentos perdidos na cama estava
Quando se prestou a um banho noturno,
Que talvez lhe desse o sono que almejava,
Mal sabia do tal momento inoportuno.

Quando se despia de costas para a porta trancada
E cantarolava uma música popular dos tempos de criança
Ouviu, de leve, um som de voz que o assustou como pancada
E que em breve da própria vida lhe tiraria a esperança.

Parado e assustado ficou imóvel, a coragem lhe faltava.
Mas breve a razão voltou a seus pensamentos e pensou:
“É apenas minha mente, como quando jurei que o abajur dançava”.
Certo e confiante, sua alma finalmente se aquietou.

Entretanto, novamente voltou ao ar, gélido e pesado,
A mesma voz que assoprava acima do ar como vento,
Congelando a sua alma, que somente ficou ali parado,
Desejando ser mentira tão pavoroso momento.

Quando o pavor se tornou desespero, reagiu:
Virou-se disposto a saber que era a tenebrosa alma,
Que só podia ser de um ser perturbado e senil,
Disposta a vir perturbar sua vagarosa calma.

Diante dele estava ali, claro como o ato de viver,
Uma sombra sem fundo, no espelho postada,
Tamanho o susto que nem se pôs a entender
Tal figura que no espelho permanecia parada.

Para o inferno foi o seu pobre e frágil coração
Quando a sombra decidiu, morbidamente, se mover.
E quando percebeu ser inútil o terço e a oração,
A dúvida sobre a origem da sombra começou a crescer.

“Sabe falar, criatura que me visita sem ser chamada?”
E a sombra, delicada, respondeu: “ao amanhecer”.
Que deverá tal coisa significar? Será uma charada?
Um código? Uma pista? Que quer tal coisa dizer?

“É um demônio? Ou um anjo, qual teu nome? Me fala!”
Movendo-se, ainda mórbida, a sombra, como antes,
Responde: “ao amanhecer” e de repente se cala.
Tão absurdo quanto pensar em sombras falantes.

“Que quer dizer tal coisa? Que faz diante de mim?”
A sombra então move-se  do espelho para fora.
“Por favor, Senhor Meu Deus, terá isso um fim?”
Gritava ele com uma voz apavorada e que agora chora.

A sombra andou por todo o lugar batendo as portas,
Quebrou cada vidro, tombou cada coisa, gritando
Em um volume infernal, em cordas velhas e tortas,
Enquanto o pobre homem no chão estava chorando.

Choro interrompido quando a sombra o ergueu
Apenas estendendo a magra e negra mão
E que não estava mais em sua sala ele percebeu,
Mas perdido em um vácuo, gritando em vão.

Em pranto ele gritava, se debatia parado no ar:
“Diga, demônio, ou que quer que seja, o que quer?”
A mesma reposta misteriosa ele foi ganhar
Enquanto a sombra tomava a forma de uma mulher.

Caiu no chão de repente, estava em sua sala, meio dormente
Enquanto as paredes que jorravam algo de cor virulenta,
A sombra, agora mulher, aproximava-se lentamente,
Com uma boca enorme e uma respiração curta e lenta.

Assustado, correu até a cozinha e de uma faca se apoderou:
Não a sombra, mas o próprio pescoço era seu alvo.
E com um rápido movimento a própria jugular cortou,
Daquele insano pesadelo estava, enfim, a salvo.

Ao amanhecer, a polícia visitava o silencioso e destruído apartamento,
Tão chocante e misterioso aquilo que havia sido encontrado,
Tudo estava destruído, cada vidro quebrado, tamanho era o desolamento:
O meu amigo, com o pescoço aberto, embaixo do chuveiro ainda ligado.

sábado, 16 de novembro de 2013

Olhos

Olhos que olham e nada veem
Fixos, paralíticos, aterrados
Sob uma chuva que tornou-se pó
Ao recusar-se a cantar
A ouvidos que não mais ouvem
A antiga linha que os liga aos céus
Do imaterial tornado moções dos ares
Cristalizado em cânticos antifônicos,
Moções dos mares miraculosos
Que embalam a morte e os mesmos mistérios
Que eram a vida dos olhos:
Celeste sabedoria desconhecida
Dos ares traçados pelos mares.


quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Uroboros

Recuso-me e me aparto da memória
Não remida; partida, sou-me em parte
Alguma procurando devorar-me -
Retorno tarde e encontro minha vista

Consumida em meus olhos consumados.
Cerro-os cego de horror, mas não se apartam:
São parte de meu rosto irresoluto
E não renegam seu labor eterno

De encontrar-me. Há qualquer coisa nesta
Serpe que serve a si somente, sem
Sorver à saciedade o que é ofertado -

Remoe-me e regurgita, mas não morre;
Espalho sobre o espelho cada entranha
E trago, pouco a pouco, o que me resta.