segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

À Poesia Contemporânea

Por que renunciarei qualquer caminho
(Banhar-se ao sol no despertar da luz
Ou afogar-se à lua e sua cruz,)
Se embebedo-me do mesmo vinho?

Por que desmembrarei em toda a parte
A carne que formou meu próprio ser
Apenas por não mais os vivos ver,
Bastardos filhos desta pobre arte?

Ou mesmo em outras vestes encobrir-me
Que não da minha própria estação.
No inverno vivo, e vós, por que, em verão
De aridez sem fim, querem despir-me?

Trocar-me a taça - um copo até maior.
Servir-me água? Antes dai veneno,
Que o amargor mais me será ameno
Do que não conhecer qualquer sabor.

Contenta-te, então, com teu vagar
Por um deserto que sem horizonte
Se vai. Que quero eu com seca fonte
Se muito mais profundo é o meu mar?

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Ode à Decadência

Bebamos, pois, almas amarguradas,
Bebamos em anseio à decadência,
Mordaz escárnio e maledicência
A todas falsas tradições passadas.

O vinho, essência de visões sagradas,
E o bêbado, adivinho da inconsciência,
São certamente o ecoar da ausência
De conjurações impronunciadas.

Sejamos a correspondência exata
De espíritos de onisciência inata
Que brindam a esta vera falsidade.

Sempre ao fim esta voz é escutada:
Bebabamos! pois não há maior verdade
Que a primordial máxima: o nada.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Rosa Torta


Se a Rosa que tanto se elogia,
De repente, assim sem avisar,
Encontra a brisa forte, mas tardia,
Teria de ser Rosa, ou flor, deixar?

Porque a Rosa torta ainda é Rosa,
E o Amor estranho ainda é amor.
Rosa, torta, é maravilhosa,
Mas Amor morto é sempre dor.

Mesmo quem nega teu cheiro e cor
Quando te vê nos vãos abandonada,
Impuros, jamais esquecerão teu amor,
Mesmo nos tempos da tumba lacrada.

Pois que tem fez, assim a fez, a Rosa.
Deu-te perfume e te fez alegria.
E se arrependerá, quem cuja prosa
Tenta te arrancar a tua poesia.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

She Walks In Beauty - Tradução

Tradução do poema "She Walks in Beauty" do poeta Lord Byron, espero que gostem.



Ela caminha tão bela


Ela caminha tão bela quanto o anoitecer
  De aspecto calmo, singelo e tão brando
O mais belo, tanto de luz ou escurecer
  Faz seus olhos, seu maior encanto
Tão doce que toda luz vem a esquecer
  Céu nega a luz do dia, tal o espanto
Se a luz vai embora, e a treva que dança
  Não te negaria viver, metade de tua graça
Viva em cada penumbra de cada trança
  Ou de tua face tão doce, vívida feito brasa
Onde teus pensares doces, de mudança
  Viventes no santuário puro, sem ameaça


Eu contemplo tua face, tua feição
  Calmo, macio, ainda eloquente
Sorriso, que brilha em inspiração
  Nada além de doçura se sente
Sonhos de paz, desta cujo coração
  É de um amor sempre inocente


Amor e fim


A Menininha conheceu o Meninão, e pra ele entregou seu amor.
Seu sorriso era mais rosa, seu perfume era mais cheiroso.
Ele sorria feito um retardado e achava que ego era bom,
Ela se gabava para os anjos que aprendeu a sorrir de verdade,
Ele mal sabia se estava sorrindo ou se aquilo era um sonho.

Mal surtia o efeito da manhã e os dois se viam, grudados
E encolhidos em casulos feitos de sonhos e promessas.
Tiveram tanta sorte, tanto poder de saber mudar as coisas
E de rasgar as lágrimas ao meio, nem chegavam ao queixo.
Eram o tempo lúdico iludido, labuta lerda de lamber os lábios.

Mas sempre há de forjar medo onde há riso, e de tudo acabar.
Sempre há quem odeie o sorriso e vomite um suspiro, não é?
Eles sabiam das flechas que iriam levar, por seu amor de carmim,
Mas não é bem assim, não há jasmim ou serafim, não? Sim.
Mas eles lutaram até a última gota de orvalho em seu lindo jardim.

Abraçaram seu amor, e nunca largaram.
Mas eles, os maus, não deram nenhuma chance.
E no fim, suas carícias acabaram,
É. Pois ela, nossa vida, não é romance

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O Que Senti



O que senti naquela incoerência
Que chamamos de espaço e tempo
Foi quando esperança, eloquência
Juntaram-se confusas ao lamento

É algo que surge muito breve na ponta de um orvalho
Que talvez nunca se tenha visto de verdade, intuito de sonhador.
Algo que canta tão baixo em tão bela entonação
Que abre um sorriso no rasgo da existência, e desabrocha no assovio do vento,
O que senti tinha uma nítida cor lilás e se mexia delicadamente por entre as rosas
Algo que não cultuamos e deixamos escorrer rio abaixo, indo descansar suas feridas.
Já chamaram de tantas coisas, eu acho que isso não tem nome
Luta de forma vã contra nossas nuvens de morte, até que amanhece o dia.

E por onde vagas o perdido, que vá tranquilo e andante
Porque se é de ti, para ti concebido a salvação do cego
Não deixe-te perder esse peito bravo de cavaleiro relutante
Sábio ilustre das coisas pífias, dos montes abertos e do ego

É algo que o filósofo carrega no peito, talvez ele sinta isso
Mas não sabe dizer se aquilo dança ou se baila lento.
O que senti é algo que o silêncio conhece das suas aventuranças
É algo além do inútil e do essencial, talvez eu ouço-o gritar por identidade,
Mas nada será além de amordaças presas nos olhos do inocente.
Inocente aquele que se deita e espera por valsas e violinos
Justamente aqueles que bailam é que se deleitam nos pecados essenciais,
E ignoram tal nome, por serem libertos demais para senti-lo.
O que eu senti foi algo leve e delicado
Que poderia limpar o pólen da mais frágil flor
E se propaga invisível, morre invisível e se rasga nas bocas insensíveis

Há quem chame de felicidade, ou mesmo de sofrer
Quem diga que é bom, ou que dói feito fome
Entristeço por ser um que sente sem poder dizer
Porque o que senti, não sei, ainda não tem nome.

sábado, 3 de novembro de 2012

Compassos

Quando meus passos sobre esta terra
Estendo, penso sobre o compassado
Passo de alguém qualquer, de algum passado
Qualquer, que a um e todos tempos erra.

Por sobre a relva de uma verde serra
Ou por atalho mal iluminado,
Todas as vias de um jovem viajado
Em cada um destes passos meus se encerra.

Quando caminho sinto que me envolve
Um espírito raro que dissolve
A humanidade toda em um só par:

Uma vontade de em todo lugar
Estar e cada vida se viver;
E ao ser tudo, ser um nunca ser.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

XII

Teria sido um agradável trato
Se alento algum aquele rio trouxesse
À alma, ou alma alguma ali houvesse,
Salvo aquela a mirar o quadro ingrato.

Rasteja morrediço o grís regato;
E a relva ao seu redor, quando anoitece
Torce-se triste como se antevesse
À minguante um nefasto correlato.

Entre fluídas formas hirtas leio
A verdade de augúrios já sabidos
E o ímpeto de renegar o anseio...

Quão é me amargo maldizer a Lua!
E ver entre semblantes retorcidos
O tempo escoar inerte pela rua.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O Poço

Venha salvar-me, voraz tempestade!
Que a brisa suave envenena meu ser!

Veja este rosto que aqui neste poço
Assoma-se às sombras de seu frio fenecer!
Inerte escárnio lhe cobre o semblante,
Escárnio inerte de seu próprio viver.
Assombram-me os olhos aqui refletidos,
Os olhos (meus olhos!) para sempre perdidos
Em sua angústia de infindo rever.

Revolva à vida este lago gelado!
Venha afogar esta imagem irreal!

Outra vez vejo ver-me a mim
Nos destroços deste poço ancestral,
Refletindo o cair das estrelas
Que se apagam nestas vagas sombrias,
Frias ondas de ilusão celestial.
Que se encontram no sangue e na noite:
Nívea flor de torpor infernal!

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A John Keats

Por longo tempo vaguei neste leito
E deslumbrei-me em sua iridescente
Veste de calmas águas, onde o silente
Tempo perdeu-se; e meu sereno peito,
Ainda que ao celeste enlevo afeito,
De suas cores ébrio em seu fulgente
Ventre imergiu. Ali, leve e indolente,
Meu espírito ao tudo foi desfeito.

Que mão a me guiar, então, absorto
Em vida e inconscientemente morto?
Eras tu, imortal, transfigurado
Em poesia. Teu nome escrito fora
Nestas águas: mas tu, à terna aurora
Para sempre alçará teu verso alado.

Soneto De Mudança


Tudo que muda
Ou passa a ser
Que transmuta
É belo ao riso do ser

Um sorriso macio
Um berço dengoso
Um ato gentil
Abraço saboroso

E lá fora neva, tostando
Os olhos do pensador
O calor, o frio, branco

Faz-se figura do sonhador
Quem outro fez chorar
Hoje é riso posto a bailar

O Tempo É


O tempo é
Ao mesmo tempo
E todo o tempo
Horrível e delicioso

O mais cruel
E mais sábio mestre
Do homem mal
E do bondoso

Enigma tal
Tão vasto tal rosto
Quem vive por ti
Canta com a alma
E quem morre, de desgosto

domingo, 7 de outubro de 2012

A um Poeta Esquecido

Ao teu corpo enterrarem, em teu peito
Tua alma esqueceram: o perverso
Que rói teus ossos rói também teus versos;
O Tempo é o verme que perturba o leito.

Ainda que às estrelas não eleito,
Alegra-te, que à terra, ao ritmo inverso
Da vida, tua alma será berço
De outra alma, e teu verso, em novo feito.

Tal qual os frutos de ramos perdidos
Voltando à terra brotam ramos belos,
O poeta, voltando assim aos velhos

Em seu campo terá versos floridos:
Pois, se com sua pena um livro lavra,
Há de colher, também, novas palavras.

domingo, 30 de setembro de 2012

O Monstro



Uma vez, ou outra vez,                                eu não me lembro

                              eu vi um monstro, ou achei que vi. Eu não me lembro

E aí eu fiquei triste,                          eu não queria aquele monstro. Eu não queria



aquele monstro olhando pra mim,                           ele tava olhando,eu juro.             Eu me lembro.







Aí eu não vi mais o monstro,                      o monstro sumiu, fiquei feliz. Muito Muito Muito Muito Muito Muito Muito Muito Muito Muito Muito Muito Muito Muito Muito Muito Muito Muito Muito Muito Muito Muito Muito Muito feliz                                                               aí eu cresci

E fiquei triste de novo



O nome dele era espelho.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

III

Longínquas lendas ao relento leio,
Ao luar da manhã que se avizinha,
Ao luar desta noite que definha,
Sob o alvo olhar do sonhar alheio.

Sinos que dobram em sinais de enleio
Desdobram rico aroma a cada linha
Mais rico aroma que a vistosa vinha,
De fartos ramos de perfumes cheios.

E o rubro vinho que este fruto traz
(Purpúrea estrela do sonhar terreno)
Não mais que a lua, ao sonhador compraz;

E o elevado soar do santo sino
Eleva um badalar não mais sereno
Que as suaves fragrâncias deste hino.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Distração



Quanto tempo tem um momento
Que se olha e não se para nunca mais?
Quão forte é aquele sentimento
Que te força, discreto, olhar pra trás?

E se o sorriso não surge. Calado
Se o movimento é breve, intocável
Permanece surdo, ou intocado
Permeias-te os olhos, é amável

Roubando qualquer atenção, quente
Correndo lento, suspirando alto, brando
Nada disso se explica, só se sente
Sem certeza se só tonto, ou amando

A mão que percorre o cabelo faz poesia
Cada movimento, em arte imerso
Do olhar singelo, se faz cantoria
Do teu jeito doce, eu fiz um verso

Ondas, tantas ondas se dispersando
Tanto respirar, fulgores ardentes
Tudo breve, logo emancipando
Sempre iguais, igualmente diferentes

A quietude tímida e singela, astral
Que mostras no sorriso fechado
É algo de princípio, algo anormal
Que demonstra carinho, notado

Quão tímidos podem os olhos ser
Se diante deles me posto, cálido
Vagam lentos, calmos, mas a ver
O que pensa deste meu rosto pálido

E os lábios tais, pulsa meu coração
Frenético, mesmo sem tanta certeza
Se real, engano, ou uma linda ilusão
Os traços leves, desta linda princesa

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

II

Poderia eu afogar meu ser
Com o furor do vinho dos sentidos
(Destrua!, adormecer, desconhecidos)
E entre mundos ainda assim viver?

Haveria algum dobrar por saber
Algum licor a mortal não provido
(Destoe!, vagar, clamar não ouvido)
E entre eras jamais, assim, morrer?

Ser, viver, saber, morrer... que haverá
De novo? Talvez partir ao deserto
Distante, a rima, o riso, a partida

Que será? Viverei? Quem saberá?
Morrerei. E quando meu peito aberto
Estiver, saberei: foi minha vida.

À Tumba de Minha Esfinge

Desperto ao ver o turvo céu que cinge
De escura luz e celestial incenso
A oculta tumba do deserto extenso,
A incerta lápide de minha esfinge.

Misterioso espírito que finge!
As puras águas, de um rubor mais denso
Que o sangue sobre o mortuário lenço,
O escárnio de teus tenros lábios tinge.

Desperta, ó Dúvida, e me devora!
Esquífe aberto ao mistério eterno!
Teu sangue saberá à nova aurora,

Teus olhos saberão ao velho inferno!
Ainda escreve ao epitáfio um verso,
E ali vagueio em sua voz imerso.

Falar Com O Silêncio


               Quem morava no sobrado Mundo Novo não sabia dizer o que era pior, o cheiro de ferro, pedra e pó de madeira que pairava no ar, ou o ambiente cadavérico que fazia qualquer um jurar ser o auge da madrugada às 2 da tarde de uma quarta feira.
               Em uma mistura de lúgubre e pálido, a vizinhança sonolenta e sozinha vivia em uma eterna ressaca. Silêncio, o som do trem velho, mais silêncio, algumas tímidas marteladas e mais silêncio. O velho sobrado que modestamente se aconchegava entre os entulhos da vida suburbana, receberia uma visita interessante nesta quarta feira, tão cinza quanto brasas velhas.
               Eva, uma moça de tamanho atrativo, presença marcante, o corpo dos sonhos que qualquer garota rezava a deus que desce de presente, desceu do velho trem e dirigiu-se até o velho sobrado. Tão animada quanto assustada, era a chance de fazer vida nova neste mundo louco e perturbado da cidade grande. Quantas figuras interessantes iria encontrar? Que surpresas esta experiência aguarda? Será essa a grande chance da carreira de modelo decolar? Enchia sua jovem cabecinha de perguntas e mais perguntas, enquanto abria devagar a porta gemente.
               Sentava-se em uma espécie de guarita, um homem que se postava a cochilar, um café frio e a televisão ligada no canal de notícias. O metrô havia quebrado novamente. Entrou tímida e devagar, sentia a fraqueza das tábuas podres e úmidas cedendo sob seus pés.
               -Com licença, senhor.
               -Se quer um quarto, temos o 141. A chave está na porta. Amanhã discutimos seu aluguel. –Respondeu com a voz emudecida pelo sono, quase imperceptível, seguido de um ronco alto que estufou o peito repentinamente.
Como havia dito o homem, ali estava a chave e o quarto aberto. Enquanto tirava-a da fechadura com dificuldade, do apartamento saiu um homem alto, magrelo, cabelo raso e barba curta, olhos penetrantes e de um mistério cadavérico em seus olhos.
-Bom dia, vizinho.
O homem virou-se e desceu as escadas sem responder uma palavra. Cretino mal educado, pensou. Fechou a porta e fez as malas. Era um quarto pequeno, uma cama de solteiro, uma mesinha de cabeceira e um abajur velho, a janela de nada adiantava, pois um muro de tijolos bloqueava qualquer visão exterior.
De noite, não conseguia dormir. Não sabia se pelo desconforto da sua cama, ou pela ansiedade que sentia, e por qualquer motivo não podia parar de pensar no cretino mal educado que a ignorara.
O som dos sapatos no corredor se dirigia até a porta do apartamento em frente, Eva espiou o misterioso homem entrar e se fechar lá dentro. Impaciente com tudo aquilo, colocou seus chinelos, seu roupão e bateu de leve na porta, que quando atendeu foi recebida assim:
-Desculpa incomodar tão tarde, mas ainda estou chateada com sua grosseria de antes. Por que não se prestou a me dizer um oi?
Nada falou, apenas fechou a porta novamente, fria e silenciosamente, deixando Eva de cara parada, mirando o olho mágico do quarto 142.
Os pensamentos ruins em relação ao misterioso homem vieram em rápido tempo, não costumada a ser tratada de tal forma, não tardou a ter seu ódio desperto. Maldito canalha, quem pensa que é pra me ignorar dessa forma?
E assim seguiram os dias. Nada de emprego, vivendo de seu curto dinheiro de emergência e pensando constantemente na náusea que o homem lhe proporcionara, não o via tinha um tempo, até o fatídico dia em que voltava das ruas, onde tentava arranjar um bom emprego, e trombou com o homem no corredor.
-Como é? Não vai pedir desculpas?
Apenas seguiu mudo até seu quarto. Aquilo era demais para a pobre Eva, sempre muito admirada pelos homens a sua volta e de repente desprezada por um qualquer, aquilo havia de mudar, seu orgulho era grande demais para se deixar ferir tão facilmente.
Dirigiu-se até a porta e bateu com força. Outra vez mudo e frio o homem abriu, sem demonstrar nenhuma sensação, boa ou ruim, apenas indiferença. O encarou firme por poucos segundos.
-Quem pensa que é para me tratar dessa forma, estou farta dessa tua arrogância, seu porco cretino! Trate-me como uma dama de respeito!
E de novo, seu nariz encontrou a porta, fechada com a maior demonstração de frieza e indiferença que a moça já havia presenciado. –Mas não me dou por vencida. – Era perto da meia noite, e Eva dirigiu-se até a porta novamente e bateu. Ninguém respondeu. Insistiu por algumas vezes mais sem resposta. Girou o trinco, para sua surpresa a porta se abriu repentinamente, e diante dela o misterioso homem deitava com metade do seu corpo coberto, encarando-a com um leve sorriso.
Eva vestia sua roupa mais sensual, e mexia-se de forma provocante, lutando para cair nos encantos do homem.
-Fica difícil de me ignorar assim, não é?
E para a sua surpresa, o homem outra vez nada disse, apenas seguiu a encará-la, ainda sorrindo, um sorriso tímido e contido. Inconformada, subiu na cama e ficou de joelhos próxima ao homem, agachou-se e apoiou-se em seu peito.
-Eu não entendo, responda! Fale algo, faça algo! – Tanto insistiu sem resposta, com os lábios tremendo e os olhos inquietos, beijou o homem, de forma incisiva e brusca. Este momento ele não ignorou e a beijou também, calmo e relaxante.
A noite corria, e ambos rolavam suados pelas cortinas, horas depois já exaustos, deitaram um ao lado do outro, fitando o teto. O homem puxou um cigarro e começou a brincar com as fumaças que produzia.
-Eu não entendo, por que você insiste em nunca dizer nada? Qual o motivo disso? –Falava calma e carinhosa desta vez, interessada numa possível resposta.
O silêncio insistiu, e as perguntas também. –Qual o seu nome? Por que vive aqui? O que faz da vida? –Nada, sem respostas. Quarto vazio de assuntos, palavras e olhares.
A voz da moça ficou chorosa, e tornava a implorar a resposta do homem: - por quê você não fala nada? Por favor, me diga.
-Eu prefiro falar com o silêncio.
Parada ficou Eva, surpresa demais por finalmente ter conseguido uma resposta. Mas ainda não entendia o motivo daquilo tudo, e para piorar sua agonia até o fim da noite não ouviu outra resposta, e dormiu encucada e confusa.
No dia seguinte, acordou em uma cama vazia, deduziu que o homem havia ido trabalhar, na cabeceira um bilhete dobrado escrito: Para a musa da pele bronzeada. Dentro dele, nada além de papel em branco, um vazio, uma inexistência.
No dia seguinte, Eva pegou o ônibus de volta a sua cidade natal, ao seu lado um jovem sentou-se e pediu seu nome. Ela sorriu, virou a cara e permaneceu em silêncio.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Cadáver



Cadáver, fresco cadáver
Que pelo chão rasteja
Não vejo maior motivo
Que acima do solo esteja

Triste figura dos campos mortais
Procurando palavras e mel
Preso aos poucos, pó de porão
Nada acima do senhor do céu

Cadáver, fresco cadáver
Lembre-te daquele dia
Quando o sol nasceu
E a poesis ainda sorria

Cadáver, podre cadáver
Onde está teu amor?
Perdido no tempo, ou
Foi vez de morrer no calor?

domingo, 3 de junho de 2012

Libação da Luz

Libação da Luz

Veja que a cadência de cores canta!
E ilude o encanto do lúcido pranto
Que grita a tempestade negrejante,
E rasga, o coro, em raios retumbantes
O céu, o sol, o silvo sussurrante.

Ouça! Ouça! que a luz desponta ao longe,
Ao longe lentamente a luz se esconde.
Surgiu, cessou, ali entre as estrelas
Celestiais, entre a sombra mundana
Que me envolve, no ritmo crepitante
Do vento que se assoma fulgurante.

Avante levam-me sonhos cerúleos
E pesadelos purpúreos de morte.
Embalam-me em dança bestas noturnas,
Cingindo eternamente um arco trio,
À sorte de saudosos sons sombrios

Trespasse os ramos que te proibiram,
Que logo além jaz a verdade, além
Da clareira que te consome a alma;
Além da tempestade, onde ondas
De vozes anunciam vorazmente:
"Dissolve teu desespero das trevas,
Que o dia já desperta novamente!"

terça-feira, 15 de maio de 2012

Primeira Aurora

Primeira Aurora

Bela é a purpúrea aurora em queda.
Meus olhos cerram em alegria e vejo,
Calada quimera que me segreda
Augúrios áureos de febril desejo.

Revolvem-se ao fim as escuras vagas
Embebedo-me em tuas fulvas águas,
Oceano que meu navio naufragas
Em ondas de euforias e de mágoas

Veja! a gota ao chão já se despedaça!
As asas, minha alma livre estende,
E o além sublime com alvura enlaça:
Com gentil graça, estes ferros fende.

Cintila ao ar o cálice quebrado.
Devoram os ventos a luz fulgente
Que parte desta terra devastada,
E ao Letes imerge em sua corrente.

terça-feira, 27 de março de 2012

The Wake


The Wake

Fear the silent bell. I’ve grown pale and weak
From its voiceless swell that tolls in my mind
Calling to wake, calling to wake. It’s bleak
To walk by a motionless ocean and find
No kind wind to gently wave its way unheard.
I’ve grown tired of thinking and disbelief.
The bell hasn’t tolled , and neither a word
Have I told him. But, although our talk brief
Can be, much I’ve learned to fear to see
And much I’ve feared seeing what I’ve seen
There’s nothing in the world I wish to be.
There’s no beauty in being what I’ve been.
Perhaps to be a bird, who sings at night,
When Death is asleep, and is an uncertain
Dream for those woken by his unseen flight,
Or perhaps the wind, to wave the curtain
Of the sea, to blow the leaves away,
To once more toll the steady bell to call
My soul, and to lead it on its own way
To wake, to wake: it’s my own funeral.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Imortalidade


 Imortalidade

E dolorosamente, sinto o fino pó correr entre meus dedos
E desesperadamente apenas observo, envolto em medos
Imóvel, impotente – prepotente estátua de areia
Não de rocha, eterna, mas frágil e passageira

Ergo-me solitário em uma terra devastada
Pelo vento incessante que em sussurros mudos brada
Os desígnios desconhecidos do céu e do mar
Distantes que a ninguém é permitido tocar

Quisera eu meu espírito de pedra fosse feito
E a brisa suave não rasgasse meu peito
Mas a rocha é destinada a deuses e estórias
Sem fim, sem formas – imponentes memórias

Sei que quando me for soprado este último grão
Tudo que fui estará esquecido, espalhado ao chão
Sei que temo que tornarei a ser jamais
Pois temo saber que o que agora existe
Não existe mais
Eu fui por inferno, cantei com esmero
E mesmo assim me neguei

Eu fui eterno, meu anjo interno
E ainda demônio me tornei


Eu vi a tempestade andando
No alto véu que cortou a noite
Chorei sozinho, perdi meu caminho
Casei com a dor e beijei o açoite

E me desculpe, querido Drummond
Mas rima é sim solução
Se não para os sonhos ou para os amores
Consola quem dança com a solidão

Se ainda dançasse com mil virgens
Ainda seria um salafrário
Se ainda deitasse com mil mulheres
Ainda seria um amante solitário
Eu ainda tenho a mania besta
de me importar com todo mundo
Todos toscos aleijados, monstros amparados
E eu sem as duas pernas praguejando

E eu, esse arauto errante
Nem herói, muito menos amante
Fazendo cara feia, olhando no
espelho, mesmo não sabendo
ou talvez, fingindo não saber

Os humildes viam as pernas
brancas, pretas e amarelas
Já eu, caro mestre, vi as caras
Feias, horríveis e horripilantes
Falsas, cansadas ou mentirosas

Eu cansei de rimas, ou me minto
Penso que meto medo, mas talvez
seja apenas feio, ou vejo essas
coisas aonde não devia

Eu tento sempre chegar ao novo
E sempre vou dormir sonhando que sim
Talvez sim, talvez não seja possível, ou
talvez penso em coisas que não devia

FALA

Se eu falo, ele fala
Se ele fala, eu já falei?
Há nessa fala mais fala
Se aquilo eu já sei?

Ele fala o que eu falo
O que eu falo, é um conceito
E “nóis fala”, não?
Aí é preconceito

Todo mundo sabe que fala
Fala mesmo, fala sem ver
Eu vivo pra falar
E falo pra viver

Vai falando, vai
Faz teu mundo, vai falando
É sério, vai gostar
E teu mundo vai criando

Se invento, é novo ou velho?
Não vem, que não é tão normal
O que é novo, o que é invenção
Se nada é exceção e nada é formal?

Fala direito, moleque!
Eu falo errado não
Corrija essa fala, garoto
Isso é coisa de velho, “mermão”

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

[Untitled]

Por que perderam-se? Porque ofuscaram-se?
As estrelas não mais meus passos guiam.
Da escuridão dos meus olhos partiram
Na noite da minha alma ocultaram-se

Quando fatigado, meus olhos cerro,
E ali caminho, estrangeiro perdido,
Fadado ao exílio de um mundo ruído:
No horizonte deste espírito, erro

Já não são estas as luzes de outrora.
Que olhar contemplará a noite vazia?
Por que ainda anseio por um novo dia
Se sei que não mais verei outra aurora?